A valorização do tempo e da flexibilidade provoca êxodo do emprego formal e ameaça o setor industrial.
Enquanto as fábricas lutam para preencher vagas, uma geração inteira vira as costas para a carteira assinada. O tempo virou o bem mais valioso — e o modelo CLT, um peso indesejado.
O que era símbolo de segurança e estabilidade virou sinônimo de rigidez e insatisfação. A preferência pelo trabalho com carteira assinada está em queda livre no Brasil, enquanto o setor industrial enfrenta um apagão de mão de obra sem precedentes. A rejeição ao modelo tradicional de trabalho ganha força entre jovens e adultos, e as consequências já são visíveis nos galpões vazios e nas contratações emperradas.
59% dos brasileiros preferem trabalhar por conta própria
O dado vem da última pesquisa do Datafolha feita em junho de 2025: quase 6 em cada 10 brasileiros preferem atuar por conta própria, enquanto apenas 39% ainda veem a CLT como melhor opção. A inversão de valores chama atenção — sobretudo quando comparada aos anos anteriores. Em 2022, 77% ainda diziam preferir um emprego formal, mesmo que com salário menor. Hoje, esse número caiu para 67%.
“A lógica mudou. O tempo virou o ativo mais valorizado”, explica Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva. “Com as novas formas de rentabilizar esse tempo — como aplicativos, vendas online e microempreendimentos — o modelo tradicional passou a ser visto como limitador.”
Fábricas não conseguem contratar
O impacto direto dessa mudança de mentalidade se vê na indústria. Um levantamento da Fiesp mostrou que, entre janeiro e março de 2025, 20,5% das indústrias paulistas que procuraram empregados não conseguiram preencher as vagas. E 77% das empresas classificaram o processo de contratação como difícil ou muito difícil.
“A indústria perdeu espaço no imaginário dos jovens”, afirma Marcello Souza, gerente do Senai-SP. Ele aponta que a participação de jovens no setor caiu de 21,5% em 2006 para apenas 13% em 2025. “A oferta de trabalho por aplicativos e o avanço da tecnologia ampliaram as opções. Trabalhar em fábrica deixou de ser atraente.”
O valor do tempo e a nova lógica do trabalho
A pesquisa do Instituto Locomotiva detalha o que os brasileiros valorizam na hora de escolher um trabalho:
36% priorizam salários e benefícios
29% priorizam ambiente de trabalho
21% valorizam flexibilidade e equilíbrio com a vida pessoal
14% buscam segurança e previdência
Ou seja, a maioria já não vê salário fixo como fator decisivo. A autonomia e o tempo livre têm mais peso — e isso coloca o modelo CLT em xeque. “O trabalhador percebe que pode ganhar o mesmo — ou até mais — dirigindo um aplicativo, vendendo online, montando um negócio simples. E ainda organiza seus horários”, afirma Meirelles.
Jovens fora do mercado formal
Segundo dados do IBGE, 2,5 milhões de jovens entre 14 e 24 anos saíram da força de trabalho desde 2019. Apesar disso, a taxa de desemprego caiu de 12,8% para 7% — a menor para um primeiro trimestre desde 2012. O fenômeno se explica: boa parte desses jovens voltou a estudar, impulsionada pela ampliação dos benefícios sociais, como o Bolsa Família.
Para Daniel Duque, economista da FGV, “houve um efeito positivo para a educação. Mas, no curto prazo, a indústria sofre com a falta de mão de obra qualificada.”
Empresas precisam se adaptar — ou ficarão para trás
Não há fórmula mágica. A única certeza, segundo os especialistas, é que o mercado de trabalho mudou, e quem não mudar junto vai perder. Isso vale tanto para trabalhadores quanto para empregadores.
“A lei da oferta e da procura também vale aqui”, diz Meirelles. “Se a indústria quer atrair gente, vai ter que pagar mais e flexibilizar jornada. Não tem mais volta.”
Enquanto isso, a CLT — que já foi símbolo de conquista — vive a sua maior crise de imagem. Não por culpa da legislação, mas pela falta de adaptação ao novo tempo.
