Construção civil, indústria e calçados enfrentam desafios para manter a produtividade em alta

O mercado de trabalho brasileiro vive um paradoxo: mesmo com a criação de milhares de vagas formais, setores inteiros lutam para preencher posições essenciais. Construção civil, indústria e até o setor calçadista estão entre as áreas mais impactadas, e muitas empresas já recorrem a estratégias inéditas, como rodízios de equipes e aumentos salariais, para reter e atrair profissionais capacitados.

Em setembro, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) registrou um saldo de 247.818 novas vagas no Brasil, indicando um crescimento na geração de empregos. No entanto, encontrar profissionais qualificados para preenchê-las tem se mostrado um desafio que ameaça a competitividade de várias indústrias.

Setores aquecidos, mas sem profissionais: o impacto da escassez de mão de obra

A construção civil, com 17 mil novas vagas criadas apenas em setembro, é um exemplo claro de como o aquecimento do mercado está pressionando o setor. A falta de profissionais qualificados, que já é uma realidade há mais de uma década, ressurge como um dos maiores entraves para o crescimento sustentável das empresas. Segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), 29,4% dos empresários do setor relatam a escassez de mão de obra como uma barreira para o desenvolvimento.

Esse problema, embora histórico, voltou a preocupar diante do crescimento econômico recente, obrigando empresas a aumentar salários e investir em treinamentos na tentativa de reduzir a rotatividade e qualificar novos profissionais.

Estratégias para enfrentar o déficit de profissionais

Para contornar a escassez de mão de obra, muitos setores estão apostando em soluções diversificadas. Na construção civil, 33,1% das empresas optaram por aumentar a remuneração, enquanto 51,5% investiram em treinamentos e 46% aderiram ao rodízio de equipes para suprir a demanda de projetos.

Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos de Construção do FGV Ibre, relembra que o setor já passou por situação semelhante no início da década passada, impulsionado por grandes eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. “O crescimento hoje é mais modesto, mas a preocupação com a falta de profissionais capacitados persiste”, afirma Castelo.

Além da construção, a indústria também tem se esforçado para atrair e reter talentos. Empresas como a multinacional Saint-Gobain investem em programas de desenvolvimento técnico contínuo, capacitação e mentoria para garantir que as equipes estejam preparadas para os desafios do setor. “Essas ações ajudam não só a preencher lacunas de habilidades, mas também a motivar e reter os profissionais”, comenta Gustavo Siqueira, vice-presidente de recursos humanos da empresa para a América Latina.

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Setor de calçados: desafios para competir com o digital

O setor de calçados é mais um dos que sentem o impacto da escassez de mão de obra, especialmente devido à concorrência com o mercado digital, que oferece um novo universo de possibilidades para os trabalhadores. A Kidy, empresa do ramo calçadista, precisou renovar cargos e reformular seu plano de carreira para tornar as posições mais atrativas para as gerações mais jovens. Além disso, a companhia oferece capacitação em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), abrindo vagas para aprendizes e promovendo uma cultura de formação contínua.

Segundo Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), o setor compete diretamente com outras áreas de consumo e até com plataformas digitais pela retenção de mão de obra. “Hoje, competimos não só com outros setores, mas também com o mercado digital, o que aumenta a dificuldade de retenção”, explica Ferreira.

Desafios e perspectivas para o futuro

Apesar das estratégias adotadas, especialistas apontam que a situação pode se agravar. No setor imobiliário, por exemplo, o aumento dos juros e o aperto no crédito representam riscos para a geração de empregos na construção civil, que é fortemente influenciada por esses fatores. Ainda assim, o mercado se mantém aquecido, e setores como o comércio e a indústria de bens de consumo seguem com expectativa de crescimento nos próximos meses.

A questão que fica é se o Brasil será capaz de qualificar profissionais em quantidade e velocidade suficientes para sustentar o crescimento econômico no longo prazo. Enquanto empresas apostam em treinamentos e na valorização de colaboradores, a escassez de mão de obra qualificada persiste como um desafio latente para a economia nacional.